Não é só “Adolescência”: por que a técnica do plano-sequência está na moda?
O plano-sequência é um dos truques mais mágicos do cinema: uma cena inteira, sem cortes de câmera, puxa o espectador para perto, como uma testemunha das ações filmadas. Essas tomadas longas estão no centro de filmes premiados da última década, como Birdman e 1917.
Agora, os cinemas e serviços de streaming estão cheios de opções para os amantes dessa técnica. Cada um dos quatro capítulos de Adolescência, a série do momento da Netflix, é um plano-sequência de quase uma hora. Na Apple TV+, as séries Ruptura e O Estúdio (que tem um episódio todo sobre plano-sequência, diga-se), estão cheias deles. O filme Presença, de Steven Soderbergh, está nos cinemas e é todo filmado da perspectiva de um fantasma, com várias cenas sem cortes.
A técnica é tão antiga quanto o próprio cinema: os irmãos Lumière, inventores do cinematógrafo, já filmavam planos longos, mais por necessidade do que por elaboração artística (ainda não existiam cortes, e os filmes nem passavam de um minuto de duração). Um dos primeiros planos-sequência de verdade provavelmente é o que aparece em Aurora, filme de F.W. Murnau de 1927.
Em 1948, o visionário Alfred Hitchcock tentou gravar o filme Festim Diabólico inteiro em plano-sequência. Os maiores rolos de película de filme só comportam cerca de 11 minutos de vídeo, então o diretor britânico desenvolveu algumas estratégias para fazer cortes invisíveis para trocar o rolo. O filme parece ser todo uma grande sequência, mas, na verdade, são 12 cenas longas e minuciosamente planejadas para parecerem uma só.
Desde os anos 1940, a técnica é amada por cineastas e cinéfilos, mas as produções que dependem em grande parte de planos-sequência sempre foram raridades, acontecimentos excepcionais. Agora, parece que a técnica é onipresente, nas telinhas e telonas. Por quê?
Mais fácil, mas ainda difícil
O teórico francês André Bazin, um dos principais críticos da grande revista francesa Cahiers du Cinéma, afirmava que o plano-sequência era uma importante ferramenta para o realismo cinematográfico. O diretor mexicano Alfonso Cuarón, por exemplo, usou a técnica em Gravidade (2013), para trazer uma impressão mais verossímil de movimento dos astronautas em órbita.
Quer um exemplo de plano-sequência? Dá para recorrer ao mestre Martin Scorsese em Os Bons Companheiros (1990). Dá uma olhada em como a câmera acompanha as personagens como se ela mesma (e, consequentemente, o espectador) fizesse parte da história:
Os planos-sequência ficaram mais fáceis de serem feitos nos últimos 20 anos, com o advento das câmeras digitais. Elas permitem mais tempo de gravação e são mais leves que as câmeras de rolo. Mas ainda é difícil – o que, claro, contribui para a aura entorno da técnica.
As cenas precisam ser minuciosamente planejadas e coreografadas para permitir a gravação sem cortes. Vários ensaios são feitos em locação para entender a melhor forma de filmar. É algo bem próximo do teatro, com seus ensaios e marcações de palco.
No caso de Adolescência, cada episódio foi filmado pelo menos dez vezes. No caso do segundo capítulo, foi o último take que valeu. Jack Thorne, o roteirista da minissérie, explicou ao Digital Spy que a técnica foi escolhida para a série por forçar o espectador a ser parcial, a só conseguir assistir a uma versão da história. Assim, ele esperava incentivar conversas complexas sobre a construção da narrativa. Parece que deu certo, a julgar pelos debates nas redes sociais sobre a produção britânica.
No caso de O Estúdio, o diretor e protagonista Seth Rogen contou ao El País que essa forma de filmar se “encaixaria com a energia da série”, sentindo o pânico e o estresse de forma imersiva. A ideia é fazer o espectador sentir que ele está nas mesmas salas, no meio da gritaria de um estúdio de Hollywood.
Fazer plano-sequência é mais fácil e frequente hoje em dia, mas mesmo assim a técnica continua sendo usada em raras produções, sempre por escolha dos diretores. A proliferação de produções que usam e abusam do truque hoje em dia é uma coincidência, mas uma que se autoalimenta: quanto mais produções fazem plano-sequência bem, mais cineastas vão se inspirar para seguir o exemplo.
Fonte: Super