Campanha online pressiona Alemanha para repatriação de dinossauro brasileiro
Imagine a cena: você é um(a) cientista e tem acesso a um fóssil de um dinossauro que ninguém conhece ainda. A oportunidade de ser a primeira pessoa a estudar uma espécie é imperdível – além disso, o fóssil é um crânio muito bem preservado. É tanta sorte que você nem se importa em saber de onde a peça veio, e por onde passou.
Quando você finalmente consegue colocar as mãos na peça, descobre que tudo era mesmo bom demais para ser verdade: grande parte do fóssil está adulterado e havia sido esculpido com gesso. Ele havia sido retirado de qualquer jeito do solo, o que já faz com que muitas informações sejam perdidas. O gesso grudado diretamente na peça piora tudo, e a frustração da sua equipe é enorme.
Tudo isso aconteceu de verdade, com pesquisadores alemães. Mesmo desapontados, eles publicaram a descoberta da nova espécie, que nomearam Irritator challengeri – o dinossauro irritante. Mais irritante do que a adulteração, é claro, deveria ser o fato do dinossauro ter sido tirado ilegalmente de solo brasileiro e contrabandeado para uma instituição científica de renome.
O Irritator foi encontrado no Brasil e contrabandeado para a Alemanha em circunstâncias incertas em 1991. O principal problema é que, desde 1942, todos os fósseis retirados de solo brasileiro são considerados patrimônio da União, e não podem ser comercializados. O espécime utilizado para descrever uma nova espécie (um holótipo, como o Irritator) não pode sequer ser armazenado fora do país.
Hoje, o Irritator está no Museu Estadual de História Natural de Stuttgart, no estado de Baden-Württemberg, na Alemanha. É o mesmo estado onde estava abrigado outro fóssil brasileiro que já foi devolvido, o Ubirajara jubatus.
Ambos foram retirados da Chapada do Araripe, na divisa dos estados do Ceará, Pernambuco e Piauí, uma região abundante em fósseis do período Cretáceo – de 145 milhões a 66 milhões de anos atrás.
Em 2023, após uma ampla campanha, o Ubirajara foi devolvido. O Bira, como é chamado carinhosamente, pode ser visitado no Museu de Paleontologia Plácido Cidade Nuvens (MPPCN), da Universidade Regional do Cariri, no Ceará.
Agora, pesquisadores organizam uma campanha internacional para trazer de volta o Irritator. O abaixo-assinado já reúne 16,6 mil assinaturas, mais do que o abaixo-assinado que pedia pelo retorno do Ubirajara jubatus.
Aline Ghilardi, paleontóloga e professora da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, esteve envolvida desde o início no caso do Ubirajara, e agora também integra a equipe que mobiliza a campanha sobre o Irritator. Ela comemora o desempenho do abaixo-assinado. “Isso faz com que as instituições se movam, não só as alemãs. Mas as próprias instituições brasileiras precisam saber qual o interesse público para tomar as devidas providências.”
Os abaixo-assinados são apenas uma parte da mobilização digital, que repete a estratégia utilizada com o Ubirajara, e aciona uma das mais apuradas habilidades brasileiras: a de caçar briga online.
A mobilização inclui avaliações negativas na página do museu no Google e comentários no perfil do Instagram. O último já incomodou: a página do museu fechou o espaço para comentários depois das investidas brasileiras na última semana. Além disso, nas redes sociais, usuários têm postado desenhos do Irritator com a hashtag #IrritatorBelongsToBR.
Não é a primeira vez que os brasileiros pedem que a Alemanha devolva o Irritator. Desde 2023, pesquisadores aguardam respostas a uma carta aberta com 269 assinaturas enviada à ministra da Ciência, Pesquisa e Artes do estado de Baden-Württemberg. “Foi um longo silêncio. Agora queremos fazer uma pressão mais forte”, diz Ghilardi.
Além disso, as instituições científicas e diplomáticas também mantêm contato para negociar o retorno de fósseis. Nessa semana, o MPPCN reuniu pesquisadores brasileiros e autoridades alemãs no I Colóquio de Patrimônio Fossilífero do Brasil. No fim do mês de abril, uma expedição brasileira deve se unir a outro colóquio sobre o mesmo tema na Alemanha, promovido por instituições dos dois países.
Nessas discussões, além de citar as responsabilidades legais, os pesquisadores argumentam que há um aspecto ético na apropriação desses fósseis, que repete as dinâmicas exploratórias coloniais.
Segundo Leticia Machado Haertel, advogada, historiadora e assessora internacional do MPPCN, a expectativa é que a restituição do Irritator “leve à formalização de processos institucionais que, à luz dos princípios da cooperação internacional, resultem em métodos eficientes para corrigir injustiças históricas e combater o colonialismo científico.”
De fato, Irritator e Ubirajara não são casos isolados. Segundo o levantamento do Observatório para Repatriação de Fósseis do Museu Plácido Nuvens, a Alemanha tem pelo menos 81 holotipos brasileiros em seus museus.
Você pode ler mais sobre esse assunto na matéria Como o Brasil se tornou referência na repatriação de fósseis contrabandeados, de outubro de 2024.
Fonte: Super